A jornada rumo ao Deserto do Jalapão começou há alguns meses para a equipe do Trilhas pelo Mundo. No dia 5 de Maio recebemos a primeira planilha de treinamento do nosso coach Hélio Lopes. Ele deve achar que somos loucos por querer participar de maratonas e ultramaratonas.
No último dia 24, às 5h começamos a saga rumo ao Jalapão, chegamos em Palmas às 11h e às 14h já estávamos com o carro que tivemos que alugar para acessar o local da largada – a cidade de Mateiros – que fica bem no coração do deserto, sendo a recomendação para ir de carro com tração 4×4.
Passamos no mercado, compramos as últimas coisas e seguimos rumo à cidade de Ponte Alta, uma das portas de entrada do Parque Estadual do Jalapão. É uma região árida pontilhada de oásis. Está situada a leste do estado do Tocantins. Possui temperatura média de 30 graus Celsius. Sua área total é de 34 mil quilômetros quadrados. É cortado por imensa teia de rios, riachos e ribeirões, todos de água límpida e transparente.
O primeiro trecho de estrada foi muito tranquilo, pois tem asfalto até Ponte Alta, de lá em diante começamos a perceber o que estava por vir. A estrada está muito ruim para os carros, já para mim foi uma diversão à parte, uma vez que adoro desafios e adrenalina. O trecho de aproximadamente 162km foi percorrido em torno de 7h.
No meio do caminho fizemos algumas paradas, a primeira delas foi no Cânion da Sussuapara, um lugar pequeno em extensão, mas com uma energia e uma beleza gigantescas, ficamos por ali alguns poucos minutos e seguimos viagem. Já próximo ao final do dia, fomos presenteados com um final de tarde inesquecível
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Por volta das 19h50 encontramos no meio do nada alguns carros parados, fomos ver o que era e ali havia alguns que estavam presos no atoleiro. Nesse tipo de imersão outra coisa que vale a pena é o espírito de solidariedade das pessoas que por ali transitam. Todos pararam para ajudar quem estava preso e só iríamos seguir quando todos tivessem condições de avançar.
Depois do primeiro trecho, encontramos um outro carro também atolado e isolado, paramos para ajudar e nós terminamos ficando no atoleiro, rsrs. A mobilização de todos para resolver a situação foi muito colaborativa. O nosso carro ficou preso porque a tração não estava “funcionando”, foi então que Lorenna e Elenira começaram a mexer e descobriram como ligar a tração, ufa, um problema a menos.
Dali ainda faltavam 50km até chegar em Mateiros, a essa altura já não chegaríamos para o credenciamento que só iria até às 21h, ficando então para às 5h, pouco antes da largada prevista para às 6h. Ao chegar na cidade fomos procurar algum lugar para montar acampamento, como não havíamos conseguido reservar com antecedência acabou que fomos perguntar para a guarda municipal se por ali haveria algum lugar para isso, e eles nos ofereceram para acampar na base de apoio deles. Ficamos muito surpresos e felizes com a gentileza e atenção, decidimos aceitar.
Estacionamos o carro, pegamos o que iríamos precisar, fizemos uma comida rápida e logo fomos descansar, pois só teríamos umas 4h de sono depois de toda a jornada antes da largada. Quando parece que cochilei o despertador toca, já era hora de ir para a fronte de largada. Desmontamos rapidamente o acampamento e seguimos rumo ao local da largada.
Organizamos nosso material às pressas e não tive tempo se quer de tomar café ou alongar, dois grandes erros. Foi então dada a largada, um início de dia lindo, temperatura amena e agradável, até então, tudo dentro do esperado.
Seguimos eu, Lorenna e Rosi por pouco mais de 1km, depois disso acabei seguindo um ritmo pouco diferente do delas. Nos primeiros 20km me senti extremamente bem e com uma média de 5´/km, o que estava muito melhor do que eu esperava. O planejamento inicial era concluir a prova entre 4,5 e 5h, e com paisagens de tirar o fôlego, segui rumo aos 42km. A essa altura já havia mudado a minha meta inicial e então segui achando que poderia concluir em menos de 4h.
A partir do km 21 comecei a me deparar com muitos bancos de areia, daqueles que o pé parece que passa a pesar uma tonelada a cada passada. Após o 30ºkm já não estava aguentando mais dá um passo se quer, até meu joelho que havia machucado na etapa da Chapada dos Veadeiros estava com uma dor insuportável. Nessa altura já tinha dificuldade de ver tanta beleza naquele lugar, comecei a me perguntar porque mesmo eu estava fazendo aquilo, o sol já estava escaldante, pouco ou nenhum ponto de apoio de hidratação, mentalmente abalado.
Naquele instante um filme vem à memória, agora era eu e eu e mais ninguém, a decisão de seguir ou desistir também era minha. Me questionei por alguns km, sendo que destes 3 foram feitos somente caminhando, aquilo para mim era um completo fracasso. Eu não poderia desistir, já passei por tantas situações adversas e superei todas, aquela seria só mais uma, só mais uma em que minha alma conseguia seguir, mas meu corpo não. Foi uma prova física das mais duras, quiçá a mais que já participei até hoje.
Estava com a certeza de que iria inclusive desistir da ultramaratona a qual estou me preparando de 227km em até 56h que será realizada na maior praia do mundo e, obviamente na areia. Não me via em condições de participar de uma prova com essa dimensão e na areia, quase peguei trauma.
Na altura do 37º Km passou um carro por mim e ofereceu água, aceitei, agradeci e segui aos trancos e barrancos correndo para concluir a prova. Cada Km passou a valer por 10, pensava eu, já se foram 37, agora falta pouco, muito pouco.
Voltei aos poucos a perceber a beleza daquele lugar e entender porque eu estava ali, percebi que o que me motiva é o desconhecido, é a busca incessante por ser melhor sempre e testar todos os limites, corri para demonstrar que mudanças são possíveis.
Nesses momentos lembro do exemplo que quero ser para os meus pais, amigos e familiares e que, se eu realmente tivesse desistido também não seria sinônimo de fracasso. Aliás, lidar com o fracasso também faz parte da vida. É preciso superar limites sempre e esse é meu lema. Corri por todos aqueles que não puderam correr, corri pelo Trilhas pelo Mundo e por todos aqueles que amam.
Na altura do 40ºKm o cansaço, a fadiga e a exaustão já não iam fazer com que eu parasse, segui e, extremamente emocionado cruzei a linha de chegada. Nesse instante, uma lágrima escorreu pelos olhos junto com o sentimento lindo e indescritível de missão cumprida. Recebi minha medalha, a atenção da equipe, peguei um pedaço de fruta e sentei, ufa, parecia que havia feito 10 cavernas na sequência.
Perguntei para a Lorenna e a Rosi como tinham ido na prova, pois correram o percurso longo e, para minha felicidade, Lorenna ficou em primeiro lugar e Rosi em segundo nas suas respectivas categorias. Acabei ficando em 4º na minha. Passado alguns minutos, me recuperei e então seguimos rumo à cachoeira do Formiga que, de acordo com o que pesquisamos, é um dos principais pontos turísticos do Jalapão.
No caminho para a cachoeira já comecei um planejamento para a próxima maratona, e pensar que minutos atrás cogitei nunca mais fazer uma prova dessas. Ao chegar, nos
deparamos com um cenário encantador, água azul esverdeada. Preparamos nosso almoço e então fomos descansar um pouco na cachoeira. Decidimos nesse dia acampar por ali mesmo. Nessa noite praticamente não dormi porque o joelho estava péssimo e não conseguia movimentar.
No dia seguinte levantamos cedo, desmontamos acampamento, tomamos café e seguimos para conhecer alguns fervedouros. O primeiro foi o fervedouro da Ceiça, pequeno, mas bem aconchegante, nesse eu preferi não entrar. Dali partimos rumo às tão faladas Dunas do Jalapão, porém, no meio do caminho havia o fervedouro dos Buritis, decidimos então ir conhecer.
Esse é incrível e vale muito a pena ir. Ficamos por ali alguns longos minutos e como já estava próximo da hora do almoço, decidimos preparar ali mesmo antes de seguir rumo ás dunas. O local estava com rajadas de vento muito fortes, quase não conseguimos cozinhar, para nossa sorte eu havia levado a proteção para o vento.
Após o almoço voltamos para a estrada novamente, ali foram mais umas 3h com paisagens belíssimas ao longo do caminho até chegar nas Dunas, respiramos fundo, olhamos uns aos outros e pensamos, valeu a pena! O lugar dispensa qualquer descrição, ainda mais que estávamos presenciando o pôr do sol. Começando a escurecer, voltamos ao carro e enfim, seguimos rumo à Palmas, ali foram mais umas 6h de estrada com muita emoção, buracos, atoleiros e muita, mas muita areia e terra.
De tudo vale a experiência vivida e, nesses momentos percebo que literalmente vivo para conhecer o desconhecido, tocar o intocável e esperar o inesperado. Que todos nós possamos viver experiências incríveis e desafiadoras, nos transformando e melhorando sempre, em quaisquer circunstâncias.
Por: Fernando Alves
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