Vale iniciar destacando que nunca fui corredor, mas sim um apaixonado pela natureza e por desafios. Quando estava pesquisando corridas de longa distância esta me chamou a atenção e então decidi encarar os 226 km da maior praia do mundo, a praia do Cassino.
É uma competição que exige muito do atleta, durante a prova e mais, muito mais durante os treinamentos, que são por vezes árduos. Há uma grande quantidade de profissionais envolvidos, vale destacar que fui treinado pelo Hélio Lopes, um profissional que dispensa comentários e a quem devo registrar meus agradecimentos. Outro profissional que é imprescindível na preparação para uma corrida como essa é um cardiologista, e o Dr. Agnello Queiroz é o profissional que me acompanha já há alguns anos. Ajustar a rotina de alimentação também é outro ponto crucial.
Conciliar os treinos com o trabalho não é nada fácil, no meu caso ainda mais, pois trabalho dia e noite. A mudança na rotina é inevitável, nunca me imaginei treinando no nível de atletas de alto desempenho e agora sei o quanto é sofrido, rs. Acordar às 3h para treinar muitas vezes é desconfortável, mais ainda nos dias em que tinha treinos 3x ao dia, manhã, tarde e noite, sendo ainda treinos muito longos – geralmente aos finais de semana o volume chegava a ultrapassar os 120 km e na semana, o acumulado passava dos 200 km.
Pegava-me por vezes, refletindo no porque mesmo de estar fazendo aquilo e, o que me fazia continuar era a vontade de vencer. Lembrava de tudo o que já passei na vida e isso me motivava a continuar e, na prova não foi diferente. Queria mostrar para as pessoas que admiro e talvez até aquelas que nunca falaram comigo que, quando se quer algo, planejando se alcança, por mais difícil e quase impossível que pareça.
Treinamento concluído, aliviado por ter sobrevivido a ele, era então hora de enfrentar a tão esperada Extremo Sul Ultramarathon. No dia 30 de novembro, véspera da largada, saímos do credenciamento – onde conversamos bastante com alguns membros da organização e fomos conhecer um pouco da cidade de Rio Grande que por sinal é bem acolhedora, após, lanchar e descansar.
À noite fomos preparar os equipamentos para a largada que seria no dia seguinte. Para começar o desafio, de cara, quando abasteci minha mochila de hidratação percebi que estava vazando, ainda bem que havia levado uma de reserva – um problema a menos e, já pensou se não houvesse a reserva, prefiro nem imaginar.
Não bastasse isso, depois de ter trocado a mochila de hidratação fui então colocar os itens obrigatórios na mochila e, para minha surpresa, os itens não couberam na mochila. Nesse instante pensei comigo mesmo, que pena, era a mochila que havia treinado todos os sete meses para a competição, pensei em várias estratégias, até mesmo amarrar uma mochila de pano por fora, experimentei e cheguei à conclusão que aquela definitivamente não seria a melhor escolha.
Pouco tempo antes o Edd fez um vídeo e junto comigo, Lorenna e Seta brincaram com a quantidade de materiais, e eu, num lapso disse que teria de ir com a mochila de trekking pois caso contrário seria missão impossível colocar aquilo tudo na minha mochila, dito e certo, no final das contas foi exatamente isso que tive de fazer.
Sorte a minha geralmente andar com várias mochilas, peguei a primeira e vi que não me atenderia bem, a segunda que fui olhar percebi que tinha uma haste de metal que a contornava por inteiro, achei interessante e imaginei que aquela poderia ser a mais adequada. Escolha feita, o próximo desafio seria conseguir criar um suporte para o reservatório de água, pois ela não era preparada para isso. Depois de muito pensar, a Lorenna conseguiu acesso à haste de metal superior, pegamos um mosquetão e prendemos junto à haste, ficou ótimo e foi o que me salvou.
Agora não me preocupava mais com espaço e sim como eu iria me comportar com uma mochila que nunca tinha utilizado com essa finalidade e com o peso que estava no mínimo 10 kg. Equipamentos prontos era hora então de descansar e esperar a largada.
No dia 01 de dezembro às 13h20, estávamos chegando aos molhes da barra para, a partir dali, irmos de vagonetas até o ponto de largada que estava marcada para às 14h. Foi um percurso bem divertido e agradável, foi ótimo para diminuir um pouco da ansiedade que ainda existia. Ali tivemos a oportunidade de confraternizar com alguns colegas, de conhecer outros, mas sempre com um espírito de colaboração e amizade.
Mesmo para aqueles que estavam tendo o primeiro contato ali, momentos antes da largada, posso afirmar categoricamente que é um ambiente familiar e, apesar do desfio que estava por vir, sabíamos que direta ou indiretamente – apesar do isolamento que a prova iria gerar, jamais estaríamos a sós.
Despedimo-nos da Lorenna e do Seta, pessoas as quais foram imprescindíveis para a concretização de mais este desafio. Eles a partir daquele momento tentariam nos acompanhar de alguma forma e que, após a corrida, tomamos conhecimento de que foram incansáveis na busca por informações sendo o apoio e o carinho, inclusive nos quilômetros finais imprescindível.
Eu e Edd largamos juntos e seguimos até a altura do 7º km, a partir dali ele seguiu e eu acompanhei por um tempo o atleta Luiz Rodolfo, fomos jogando conversa fora e falando sobre o que é participar de uma ultramaratona, essas conversas possibilitam um nível de aprendizado imensurável e, para atividades complexas como essa – assim como é a vida, a experiência conta muito, o aprendizado é constante e a humildade determinante.
É um desafio contra si mesmo, não contra os demais atletas, é o momento de testar todos os limites físicos e mentais e, talvez seja exatamente isso que tanto tenha me motivado a participar.
O primeiro momento da prova foi relativamente tranquilo e dentro do esperado. Como não existem construções num intervalo de 200 km, a paisagem por vezes parece ser sempre a mesma. Um ponto a ser destacado foi a quantidade de animais mortos ao longo da praia, indo desde tartarugas gigantes até baleias. Ao que tudo indica essas mortes são resultado da ação, para variar, do homem – por se tratar de uma área onde há muitos barcos que fazem arrastões de pesca, acabam abarcando esses animais que são deixados à deriva mortos e, que o mar leva para a areia da praia. Precisamos cuidar mais das nossas riquezas naturais, o que está acontecendo é um crime inadmissível.
Na altura do km 40 comecei a sentir um incomodo nos pés que pouco depois se demonstrou como uma dor que beirava o insuportável e que, infelizmente me acompanharia dali até o final da corrida. Na altura do km 67 encontrei o Edd em um ponto de controle. Paramos ali uns 10 minutos, abasteci minha mochila de água, coloquei o colete reflexivo, o led na mochila, a lanterna, substitui os óculos de sol por um transparente, separei as roupas polares e seguimos juntos rumo à base de apoio na altura do km 107.
Estava anoitecendo, após um dia ensolarado e lindo, naquele momento brincamos com o desafio que estávamos enfrentando, mesmo já sentindo os impactos do frio e do vento – nossos companheiros fiéis durante as noites.
Passados poucos minutos, enfim a escuridão, lembrando que lá o sol nasce por volta das 5h30 e se põe depois das 20h30. Nesse meio tempo chegamos à primeira base que contava com apoio da equipe de fisioterapeutas. Ali aproveitei para comer um macarrão instantâneo e lembrei-me das saídas de campo com a equipe do Trilhas pelo Mundo.
Como meu pé já estava quase me impossibilitando de dar uma passada, recorri a uma massagem para tentar aliviar um pouco da dor, psicologicamente foi fundamental, apesar de infelizmente a dor física não querer cessar com nada do que estava sendo feito.
Durante uns 20 km a partir dali, já na altura do km 80 da prova, andar estava insuportável, então, corria e deitava de modo que o pé não encostasse no chão dando o tempo para que o Edd me acompanhasse. O espírito competitivo e a busca incessante por vencer faz com que possamos ultrapassar quaisquer desafios que a vida possa nos apresentar. Pensava nisso a cada vez que meus pés, já esgotados pelas dores que estava sentindo e, que era semelhante a pisar em agulhas a cada passada e insistiam em me fazer pensar em desistir… Tive de buscar mecanismos de resistência, pois a batalha não estava e tampouco seria fácil.
Lidar com situações que por vezes fogem do nosso controle faz com que possamos crescer e nos tornar pessoas melhores, estava preparado para dores em diversas partes do meu corpo, menos nas plantas dos pés. Estava com os tênis que havia treinado, com palmilhas para diminuir os impactos, tudo como o planejado.
Não sabia o que estava acontecendo e porque estava acontecendo, isso me deixava bem incomodado. Lidar com o desconhecido é um desafio, mas que em determinados momentos é preciso ir além do que imaginamos conseguir ir para poder entender e suportar.
Após a primeira noite, a dor no pé começou a ser melhor digerida e assim consegui avançar com menos sofrimento. Estava sonhando em chegar à base de apoio na altura do km 107, pois chegando lá teria minha Drop Bag com alimentos, tênis, meias, bermuda, camisa, boné, protetor solar, vaselina, proteína, carboidratos em gel, pães e até carregadores para o celular e meu relógio, estava tudo junto.
Há uns 200m da base, tinha mais um arroio, das dezenas que já havia ultrapassado e, neste, pensei em enfim colocar o pé na água para refrescar um pouco, já que a dor havia me dado sinais de que ia mesmo me acompanhar até o final da prova.
No exato instante em que ia pisar me veio algo não sei por que ou de onde, que me fez pular e não molhar os pés. Ao chegar à base solicitei minha Drop Bag e para minha surpresa, ela não estava lá. Naquele momento, já abalado em alguma medida por tudo que até então estava acontecendo, imaginei que a ausência de tudo o que havia separado só iria aumentar ainda mais aquilo que já estava muito difícil.
É uma corrida para humanos, mas que beira o desumano. Todos os limites conhecidos e desconhecidos são colocados à prova. Conhecer a si mesmo é fundamental e determinante em situações críticas como essa.
Fiquei um tempo ali, rimos um pouco do que havia acontecido, a equipe de fisioterapeutas mais uma vez apostos e desenvolvendo um trabalho muito bom, peguei alguns biscoitos, ganhei um carboidrato em gel de algum competidor que agora não me recordo o nome, coloquei os tênis – ainda bem que não os molhei, pois estaria em apuros, tiramos uma foto com a equipe que ali estava e segui rumo a próxima base que estava a uns 50 km dali.
Um sol escaldante apesar da sensação térmica aparentemente agradável por conta do vento forte que impera naquele lugar. É um caminho que tem quase sempre a mesma paisagem, o mesmo som, mas não a mesma aura. Manter o psicológico estável naquela situação e local inóspito, pois desde a largada até a primeira cidade- Hermenegildo, lá se vão uns 200 km, só te acompanham as dunas e o mar.
Ao caminhar tentava não pensar muito no que faltava e sim me concentrar ali, em cada passo e feliz a cada quilômetro a mais percorrido, pois nessa circunstância cada um é uma vitória. Alcançado o próximo ponto de controle, enfim, segui rumo ao antepenúltimo ponto de corte e, em certa medida animado, pois até então fisiologicamente o corpo respondia bem, mesmo não tendo conseguido dormir um minuto se quer, algo que raramente faço. Só a dor dos pés, minha eterna companheira nessa corrida que não me deixava um segundo se quer.
De longe, mas que parecia perto, avistamos o tão sonhado Farol do Albardrão, chegando neste sabíamos que vencer estaria ainda mais perto, deu uma sensação de alivio e calma para avançar. Apertamos o passo, mas com o passar do tempo o farol parecia cada vez mais distante como se fosse, no final das contas, se distanciando.
Nesse percurso tive alguns lapsos, onde vi diversos animais, pessoas e até veículos, que na verdade não passavam de bancos de areia ou troncos de árvores que o mar devolveu à areia. Posso dizer que tive algumas muitas alucinações ao longo da prova, mesmo me sentindo plenamente sóbrio e consciente. A cada uma dessas situações brincava comigo mesmo e ria, não havia alternativa, tinha mesmo era que tirar proveito daquilo.
Uma hora se passou desde que avistei pela primeira vez o farol como se fosse do lado, duas horas, três, quatro, na quinta hora já me perguntava mesmo o que eu estava fazendo ali – que já tinha perdido a graça. Estava exausto mentalmente por acreditar que não demoraria tanto para chegar e que – quanto mais eu andava mais longe ficava.
Depois de 6h enfim consegui acessar a base de apoio, isso às 20h e como sempre muito bem recebido pela equipe de apoio, principalmente a de fisioterapeutas, que no final das contas me acompanharam de base em base, ao longo de toda a corrida. Nesse trecho o que mais me incomodou foi o fato de não ter o Garmin marcando a distância percorrida e avançar sem ter muita noção é quase desesperador, foi um dos únicos momentos que lamentei muito não ter acessado meu material no km 107.
Chegando, enfim, lá estava minha Drop Bag. Peguei meus materiais, carreguei o celular e o Garmin, troquei de tênis, me alimentei e repus os carboidratos para o próximo trecho, neste momento fomos informados que aquele era o último ponto de corte por tempo, um alívio, pois pelos cálculos iria dar tempo, mas ficaria apertado. Teríamos então que cumprir mais uns 98 km até às 20h do dia seguinte.
Às 22h30 saímos eu e Edd da base e pretendíamos chegar na próxima, que estava a uns 42km dali no mais tardar até às 4h. Passados uns 5km o Edd começou a sentir o joelho, não falei nada para ele mas pensava comigo mesmo, agora complicou. Junto com a dor veio o sono, para ambos, colocamos algumas músicas no celular para ouvir enquanto avançávamos. Na altura do quilômetro 10 a dor no joelho do Edd o impedia de seguir, começamos então a fazer 3 km a cada hora.
Na altura da 1h encontramos um grupo de jeppeiros, que perguntaram se realmente queríamos seguir, dissemos que sim e eles nos alertaram sobre o terreno difícil que estava por vir, principalmente pelos longos quilômetros com areia muito fofa. Seguimos e, por vezes o Edd me falava para seguir só, pois ele estava com muita dificuldade de pisar, todas as vezes refutei e disse que chegaríamos juntos. Por volta das 7h sugeriu mais uma vez que eu seguisse só para não correr o risco de ser eliminado pelo tempo e que talvez fosse desistir. Obviamente que eu não o deixaria, muito menos ali.
É muito louco lidar com as mais diversas sensações e vontades. Imagina a complexidade de se sentir bem, dentro do possível, mas por outro lado ter seu companheiro com dificuldade naquele momento, o que fazer? Quem me conhece sabe que jamais deixaria alguém para trás, por mais que não tenhamos isso como combinado e a prova era solo.
Pensando comigo mesmo, bem, posso chegar algumas horas antes, ganhar posições, mas se eu tivesse feito isso e – vai que ele tivesse desistido, como teria me sentido? Seguramente não ficaria nada feliz. Por outro lado, gostaria de ter testado todos os limites ao extremo, não que isso não tenha acontecido, mas sinto que poderia ter explorado um pouco mais fisicamente.
Enfim, às 9h40 chegamos à base de apoio, para nós a última. Eu e Edd conversamos muito e conseguimos chegar à conclusão de que ele iria ao menos tentar, fizemos os cálculos do pace (quilômetros por minuto) que teria de seguir para chegar antes do tempo limite. Os cálculos mostraram que seria suficiente, mas que não poderia perder mais que 30 minutos na base. Ao chegar lá o Dr. Roberto Abib e sua equipe fizeram uma imobilização em seu joelho e foi o que salvou, pois conseguia agora manter o que havíamos planejado.
Pouco antes de sair descobrimos que ao invés de 42 km para enfim fechar os 226 km, ainda faltava 54 km, nesse instante disse mais uma vez que não conseguiria pois não daria tempo, disse a ele que fosse então até o quilômetro 42 e aos poucos fosse analisando a possibilidade de ir até o km 54, se desse bem, se não, paciência – pois havia feito tudo o que estava ao alcance. No fundo eu sabia que ele iria conseguir concluir a prova a tempo.
Eu fiquei na base até umas 10h35, pois, apesar da dor insuportável nos pés, sabia que fisiologicamente – mesmo naquela altura – ainda me sentia bem e que conseguiria correr muito, pois caso contrário não daria tempo, tinha que fazer os 54 km em no máximo 8h, pretendia fazer em 6,5h – para quem já havia percorrido mais de 150 km e 48h sem dormir essa parecia mesmo uma tarefa quase impossível, desumana.
Mais uma vez a equipe de fisioterapeutas foi incrível e ainda por cima ganhei uma bandagem no joelho que seguramente contribuiu e muito para eu poder completar a prova sem ele me incomodar, pois vinha de uma lesão que perdurou por uns 4 meses. Saindo da base começou a ameaçar chuva. 30 minutos depois encontrei meu amigo Edd e fiquei muito feliz porque seu desempenho estava melhor do que o planejado. Segui correndo por mais uns 15 km, nessa altura já fiquei um pouco mais tranquilo por conta do tempo que estava conseguindo baixar e todos os cálculos estavam a meu favor.
Em seguida, dois carros da equipe de apoio passaram por mim e disseram que eu não poderia terminar a prova, nesse instante fiquei atônito, não acreditando que aquilo poderia acontecer, disseram que a orientação era interromper por conta da previsão que a defesa civil fez com relação à subida da maré e, com aquele estado, não teria como ter resgate caso fosse preciso. Respondi a eles que por mim tudo bem, que assumia solidariamente o risco e que se a previsão se confirmasse eu subiria nem que fosse nas dunas, mas que de qualquer forma iria terminar.
Passaram pelo Edd e disseram a mesma coisa. Segui por alguns quilômetros meio ressabiado olhando com frequência para o mar, agitado e em alguns momentos até assustador, porém, estava focado em concluir à prova. Passada a passada os quilômetros iam se aproximando do fim, junto com isso uma sensação que não sei explicar, ali estavam muitos sentimentos envolvidos, muita dedicação ao longo de meses de trabalho, muitas pessoas envolvidas, principalmente meus familiares e amigos mais próximos, a abdicação de muita coisa para treinar, cuidar da saúde física e mental.
Lembrava das madrugadas que tinha de acordar, por vezes exausto e sem nenhum ânimo para ir, mas pensava que, sem o treino não conseguiria concluir à prova. Além do investimento da dedicação e abdicação, inevitavelmente estava também o financeiro, pois infelizmente é uma empreitada que sugere um investimento considerável. Serviu de lição que, de fato, se nos propomos a algo, temos de fazer o melhor, planejar, executar e monitorar sempre.
A cada quilômetro pensava em uma pessoa diferente, em como meu pai devia estar feliz vendo essas conquistas do cantinho especial que ocupa no céu, da minha mãe que não entende muito bem o que eu faço, mas me apoia e cuida de tudo o que faço… Eu tinha que terminar, primeiro por mim, mas inevitavelmente pelas pessoas que são e as que se eternizaram especiais na minha vida, queria mostrar que tudo, quando se quer, torna-se possível e eu, sou a prova viva disso.
Nunca tive o hábito de correr, mas sou movido a desafios. Olhava o relógio e o mesmo passava dos 202 km, ufa, agora só faltam 24 km, o sol escaldante, nessa altura a fadiga o cansaço e principalmente a dor nos pés já não me assustavam tanto, tinha aprendido a lidar com elas.
No km 204 encontrei novamente a equipe de apoio e mais uma vez esperava que por algum motivo fossem falar que teria de abandonar a prova, pararam, perguntaram se estava tudo bem, eu respondi que sim e a Kátia Duarte me disse então: ” Você se superou muito bom hein!”, nossa, me deu um alívio ouvir isso e então ela disse que a organização da prova havia dado a ordem de recolher todos àqueles que estivessem a mais de 10 km da última base e que iriam seguir para ver onde os outros atletas estavam.
Mal sabia que no final das contas a ordem de me retirar da prova havia partido quando sai da base faltando 54 km para completar, pois para eles era humanamente impossível, depois de mais de 150 km e 40h de prova conseguir terminar a tempo.
Fiquei apreensivo pelo Edd e torci muito para que eles não passassem por mim no carro tendo sido resgatados, para minha felicidade ele estava próximo, daí então fui ainda mais seguro de concluirmos dentro do tempo estabelecido esse tão esperado desafio. A cada 10 km marcava na areia a distância para que ele tivesse uma noção da distância que estava percorrendo, pois a bateria do relógio dele havia acabado.
Chegando a última base foi incrível, Lorenna veio ao meu encontro enquanto o Seta fazia os registros, me acompanhou até a base onde recebi um café e um pão com manteiga e mortadela maravilhoso, nunca vou esquecer, feitos com muito carinho por mais um dos diversos voluntários que a corrida teve e, sem eles nada teria sido possível, comi muito rapidamente e segui rumo a linha de chegada que estava a 12 km dali.
Como o último posto ficava na cidade de Hermenegildo, fui escoltado pela guarda municipal no trajeto dentro da cidade, achei inesperado e interessante, me deu mais um pouco de gás, até fiz todo este percurso correndo. Na metade dele percebi que alguém com um Drone fazia imagens minhas. Já na praia novamente o Marcos e seu filho Wender perguntaram se poderiam me acompanhar, eu respondi que sim e então corremos durante um tempo lado a lado, naquela altura eles foram uma excelente companhia, pois me incentivaram a todo o tempo.
A conversa fluía de modo agradável e bem, falamos da vida, da prova, das dificuldades, das virtudes. Faltando uns 6 km para concluir comecei a parar 30 segundos a cada quilômetro para alongar as plantas dos pés, a dor estava insistindo em continuar insuportável. Nos último 3 km comecei a avistar novamente a equipe de apoio da prova, além dos incansáveis e incríveis Lorenna e Seta, que tiveram um papel formidável e que quero deixar registrado.
Estava em êxtase, não sabia se chorava ou se sorria então, corri e, corri muito no trecho final e – olha que ainda por cima era subida e com areia muito fofa. Cruzar a linha de chegada foi uma das sensações mais indescritíveis que já tive na vida. Pois sabia que eu era um dos poucos malucos que se propunham a um desafio tão grande como aquele e que tinha completado, eu era Finisher da Extremo Sul Ultramarathon.
Foi incrível por saber que havia correspondido por vezes expectativas a meu respeito, por mais que eu não tenha nenhuma obrigação com isso, que eu tinha conseguido suportar tudo e mais um pouco de adversidades e ainda assim resisti aos 226 km, no mínimo, e digo mínimo porque fiz muitas oscilações no percurso durante a prova.
Passou um filme, reflexo de que tudo vale a pena e que consegui suportar o insuportável. Reforcei meu lema que é: quão deslumbrante é conhecer o desconhecido, tocar o intocável esperar o inesperado.
Por: Fernando Alves
Muito bom Fernando. Eu fiquei apreensiva a cada trecho que lia.Parabéns pelo seu esforço, disciplina e dedicação em superar seus limites. Você é uma pessoa vitoriosa em todos os sentidos.Nossa,226 Km não são para qualquer um. Adorei