Uma lufada de vento gelado entrou pela janela e empurrou para longe os últimos vestígios de sono de uma noite mal dormida. O relógio marcava cinco horas da matina e o sol de agosto começava a despontar no horizonte com todas as suas matizes de vermelho, amarelo e alaranjado. Logo todos os parceiros de cavernada estariam chegando para mais uma aventura. Na bagagem, apenas lanternas, capacete, água, alguns suprimentos e muita expectativa. Os mais precavidos, e este foi o meu caso, trouxeram também entre os pertences uma dose extra de superação.
Cerca de três horas depois, chegávamos no Buraco das Araras – aproximadamente 90 quilômetros da capital federal. Próximo as cordas de segurança, estrategicamente montadas pelos guias do grupo, sentei-me na beira do abismo. “Esta visão é de tirar o folego”, pensei.
Envolta em meus próprios pensamentos e aguardando a minha vez de descer, foi difícil não meditar sobre as fragilidades da minha própria vida. Mergulhei profundamente em meus medos mais secretos e relembrei das muitas vezes que estive flertando com a agonia de saltar para o nada. Mas nunca o fiz.
Sabe… ? Por mais coragem que se tenha, descobri que desejamos as redes de segurança, a palavra de incentivo, as coordenadas dos mais experientes. Desejamos errar o menor número de vezes possível.
Às vezes, desejamos apenas ser um igual diante do diferente. Às vezes, queremos paz em meio a algazarra. Às vezes, nos momentos do mais profundo silêncio, queremos gritar nossa própria alegria. Às vezes, apesar de sermos singulares, desejamos ser plural. Às vezes, por mais que estejamos vivendo em coletividade, desejamos a simplicidade de nossa própria companhia. Às vezes, é mais fácil saltar as fendas entre as rochas, escalar pedras, banhar-se em águas submersas por rochas… do que olhar o outro.
Nestes momentos, sinto-me desterrada. Sinto-me uma gaijin de mim mesma. Uma estrangeira em minha própria vida. Porque inóspito, meu caro, nunca é o lugar. Inóspito é o outro. Esse alguém além de nós que raramente resolve ser hospitaleiro.
Diante do abismo desses muitos que me habitam, encontro dificuldades para me adaptar. Escondida em minha caverna interior, diante de minhas fragilidades, defeitos, erros…Me sinto só, nua e sem papéis sociais para representar. Somente nesta hora, durante as escavações de minh’alma, percorrendo minhas cavernas interiores, percorrendo toda minha ausência de luz e visitando o meu próprio silêncio…
Percebo toda minha unimultiplicidade.
Por: Patricia Leite
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