Ecos fica próximo da Cidade de Girassol – GO, foi descoberta em 1976, tem 1725 metros de extensão e 150 metros de profundidade e, ainda abriga o maior lago subterrâneo da América Latina, sendo um dos lugares mais maravilhosos que já conheci. A falta de luminosidade só aguça ainda mais a beleza da caverna. Há pouco mais de um ano tive o imenso prazer de conhecer essa caverna e, desde o começo da trilha, sob um sol escaldante, já havia me apaixonado por ela. Foi a minha primeira imersão e a sensação até hoje é indescritível! Confesso que Ecos é a minha preferidinha!
Já havia um certo tempo que não íamos à Ecos e isso trouxe um pouquinho de ansiedade para a nossa imersão. Sempre que coloco os pés perto daquele lugar meu coração e minha mente começam a entrar em uma sintonia com o mundo, é como se todos os problemas e preocupações não tivessem mais importância. A energia que envolve o ambiente é surreal, (por analogia) é divina.
Decidimos fazer essa imersão durante a noite para apreciarmos a lua cheia e, como dessa vez só fomos eu, Fernando e o Edd, não saímos do mesmo lugar de sempre. Terminamos indo buscar o Edd em sua casa e depois passamos no mercado para comprar alguns mantimentos. A nossa jornada começou no mercado e, eu particularmente gosto muito das conversas despretensiosas que surgem entre as prateleiras, dá uma sensação ainda maior de familiaridade entre nós. Saímos do mercado com uma garrafa de água para completar o estoque que já tínhamos no carro, algumas frutas e muito macarrão instantâneo! Em meia hora, estávamos chegando ao local em que deixamos o carro. Conferimos os equipamentos e pegamos tudo que iríamos precisar. Iniciamos a trilha com um céu incrivelmente belo! A lua e as estrelas estavam reluzentes e a medida que nos afastávamos das luzes da cidade, a beleza parecia aumentar. O ponto negativo da trilha noturna é que infelizmente as câmeras não conseguem captar nenhuma imagem digna, mas a essência do lugar parece transbordar e contagiar o olhar admirador de cada trilheiro.
Estávamos admirados com a claridade que a lua estava nos proporcionando, tanto que nem precisamos das lanternas durante a trilha e, aproveitando o momento, fizemos todo o percurso lentamente. Mesmo com a tranquilidade no caminhar, nossas bocas não se aquietaram nem por um momento, até que entramos em um assunto um tanto quanto delicado. No clamor dos últimos dias, não conseguimos fugir do assunto mais polêmico e cada um terminou expressando seu ponto de vista em relação a toda essa bagunça que acontece no nosso cenário político. Como já era de se esperar, cada um teve uma opinião que em pontos concordavam e em outros divergiam… Porém, o próprio Edd comentou algo parecido: política “não é uma discussão de ideias, é uma batalha de egos” e dessa forma, duelamos.
A forma como cada um enxerga o mundo é extremamente particular, isso não é novidade, cada vivência e cada experiência traz diversas interpretações para a mesma situação e, em alguns momentos para defender o que acreditamos, em um assunto tão debatido e que gera bastante revolta induzida pela mídia, quase ultrapassamos os limites da ‘boa convivência’. Entramos na parte final da trilha, acompanhados de um silêncio estarrecedor. Cada um com seu posicionamento, que permaneceu intacto mesmo depois de um debate intenso. Chegamos até a entrada da caverna e, ambos os climas estavam amenos, mas o silêncio ainda reinava.
Começamos a entrar no primeiro salão de Ecos, a umidade se fazia bem presente, nos levou até a acreditar que fossemos encontrar bastante água. O chão estava bem escorregadio, dificultando um pouco para o Edd que estava com a lanterna ruim e, para mim que exalo coordenação motora e equilíbrio.
Temos uma pedra onde sempre fazemos uma “parada obrigatória”, é a pedra onde fiz minha primeira reflexão, onde me encontrei e fui surpreendida pelos caminhos que a vida faz a gente traçar… E mesmo depois de tantas reflexões sobre a mesma pedra, na mesma escuridão, ainda me encontro, me perco, me procuro e me reencontro constantemente. Quase de praxe. Ao chegarmos nesse ponto específico, podemos observar, quando de dia, a última claridade que reflete na caverna até a saída, mas como estava a noite, não conseguíamos ver nada além da completa escuridão, então desligamos as lanternas e cochilamos por uma hora e meia.
Acordei sonolenta e com bastante preguiça, os meninos também não acordaram esbanjando disposição, mas seguimos. Fernando, guiando de forma ainda mais lenta e atenciosa para ter certeza de que Edd e eu não iríamos nos machucar em nenhuma das fendas enormes no chão. Nos aproximamos do ponto onde costumamos encontrar água e nos enchemos de esperança, porém, em questão de segundos percebemos que o lençol freático continua vazio, está enchendo, mas ainda de forma tímida. Subimos na maior pedra, onde costuma ficar completamente envolta de água.
Começamos a preparar (entenda-se como colocar a água para ferver) nossa ceia. Decidimos que iríamos comer, dormir mais algum tempo e depois continuaríamos a exploração. O macarrão quente pareceu abraçar o estômago e nos acalentou. Dormimos mais 3 horas, interrompidas algumas vezes por um insistente despertador. Acordamos muito melhor do que se estivéssemos dormindo em casa, pelo menos eu me senti assim. Estava renovada!
Seguimos em busca de conhecer locais que por ventura ainda não havíamos conhecido, aproveitando que o lençol freático estava vazio, apresentando belezas até então pouco exploradas. Observamos formações únicas, que nos fazem refletir sobre quão deslumbrantes e cuidadosas são as criações da natureza. Nos deparamos com trechos de água que mais pareciam uma tela de quadro ou tela de descanso do computador.
Depois de algum tempo de caminhada, chegamos em um outro salão que concentra vários túneis, que no fim das contas não dão em lugar nenhum, mas mesmo assim parecem um convite quase que irrecusável para nos rastejarmos com a esperança de encontrar um acesso para outro lugar.
Edd e eu nos divertimos buscando estes locais enquanto Fernando se divertia tentando fazer os registros fotográficos. As formações rochosas são impressionantes!
Nos fazem pensar em como deveria ser as coisas a milhões de anos atrás, já que a maioria das pedras nos dão a ideia de que foram moldadas e desenhas com o ‘movimento’ da água, inclusive no teto.
O relógio já marcava 7h da manhã, começamos a iniciar o trecho que nos levaria para o último salão, onde fica a saída. O percurso escorregadio e com bastante pedras pontiagudas, nos exigia bastante atenção, por isso precisamos trocar as baterias das lanternas duas vezes para evitar qualquer acidente, já que a pouca luminosidade dificultava muito a visibilidade.
O acesso até a saída é um trecho difícil até de descrever, mesmo sendo uma das minhas partes preferidas. Quando começamos a ‘escalada’ final podemos sentir a brisa, enquanto nossos dedos encontram a água gelada que escorre das raízes das árvores por entre as pedras, dando ao corpo quente uma sensação única e indescritível.Quando olhamos para o centro desse enorme salão escuro, tomamos dimensão de quão pequenos, frágeis e abençoados somos. Me dá certeza de que independente de tudo, sempre tem alguém olhando por nós. Essa certeza é meu combustível que faz com eu queira ir sempre além, querer sempre mais dessas coisas que não pesam na minha bagagem, mas que tatuam minha alma.
Quase na saída começamos a ser brindados com a luz do sol, envolto de uma natureza de beleza imensurável e uma neblina que dava um toque ainda mais suave para aquele pedaço de paraíso.
Ao sair, fizemos mais uma parada para que pudéssemos nos alimentar antes de concluir nossa caminhada. Sentamos em uma sombra, próximo a alguns formigueiros. Eu estava faminta, antes da saída total da caverna já estava sentindo os sinais da fraqueza/fome. Fernando mais uma vez se encarregou de pilotar o fogão, e enquanto a água fervia, começamos a comer as frutas, os biscoitos e nos hidratamos um pouco.
Assim que o macarrão ficou pronto, levantamos o ‘acampamento’ e comemos durante a caminhada. O sol estava radiante e demasiadamente forte, já passava das 11 horas e ainda tínhamos mais uns 7 km de trilhas pela frente para chegar até o carro.
Durante o regresso, mais uma vez aproveitamos para aquele momento de compartilhamento de planos, sonhos e experiências. São momentos assim que nós concedem a sensibilidade para nos percebermos e percebermos o outro, que nos permitem respeitar cada diferença que, no final, nos une. A convivência saudável e imersa à natureza, acompanhada de todas as diversidades e pautadas no respeito só agrega, só solidifica as relações.
Por mais dias assim.
Por: Lorenna Bourguignon
Realmente a Ecos é linda. Já estivemos lá juntamente com Lorenna, Fernando e outros. Uma aventura memorável. Um grande momento de reflexão, busca de auto conhecimento, limites… enfim, espetacular.
Obrigado pela oportunidade, Fernando.